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O herói não está na camisa

Winston Churchill teria dito que quem não é comunista na juventude não tem coração, mas quem é comunista na maturidade não tem cérebro. Isso me acalma a alma, pois concluo que tenho tanto coração quanto cérebro.

Pois é, fui comunista na fatídica época da adolescência. Certa de que deveria ser contra alguma coisa virei contra tudo, então mamãe me advertiu que eu era uma rebelde sem causa. Para contornar o problema li uns livros imbecis para o público juvenil – aliás, deveriam ser proibidos! – e eis que me deparei com o comunismo. Achei que tinha descoberto a roda e arrumei um exemplar de tradução duvidosa do Manifesto Comunista de Marx (e Engels…kkk). Numa noite quente carioca tranquei-me no quarto e quando sai estava certa de que tudo sabia sobre marxismo, sobre os males de todo o mundo e a solução para eles. Virei oficialmente comunista, para sagrar meu batismo comprei uma camiseta com a cara do Che Guevara e uma boina com a estrela vermelha! Dá para acreditar? É…

Andava eu orgulhosa com a cara do Che Guevara na camisa e a boina na cabeça – para que todos soubessem que lá estava uma revolucionária! Graças a minha sábia e paciente mãe a camisa e a boina eram sempre lavadas “ter filha revolucionária até engulo, mas que cheire a revolucionária, jamais!”. [Te amo mãe!]. Pois bem, certa vez estava eu rigorosamente uniformizada com o Che e a estrelinha quando uma amiga de minha tia disse – para meu total desespero e revolta – que se eu e todos os aborrescentes que usavam a indefectível camisa e a boina com estrelinha soubéssemos as atrocidades que o argentino metido a salvador da humanidade tinha feito, rasgaríamos a camisa imediatamente e queimaríamos a boina. Fiquei furiosa e a acusei de… vocês sabem… pelega, reacionária, burguesa, malvada, defensora das injustiças e blá blá blá. Ela riu me deu um tapinha nas costas e pediu para eu pegar um copo de refrigerante para ela. E lá foi a revolucionária encher um copo de Coca-Cola para a amiga reacionária da tia.

Filiei-me ao Partido Comunista (PC do B) e ia toda feliz para as convenções. Logo percebi a chatice dos discursos, mas era lá o meu lugar, era lá que eu faria a revolução! E conclamava os camaradas, e falava dos perigos que os “milicos” representavam caso Lula fosse presidente e tals e tals. Mas como felizmente me restava o cérebro, comecei a ler outros textos além dos canônicos indicados pelo Partido. E soube dos Gulags soviéticos, e soube do Paredón cubano, da Revolução Cultural chinesa, da perseguição e assassinato de opositores, da homogeneização forçada do pensamento, dos livros proibidos… mas achava que para fazer a revolução era preciso enfiar o pé na lama, insisti, mas pensei que poderia mudar um pouco isso.

Numa convenção nacional do PC do B ousei falar que Stálin foi um assassino sanguinário e fui rechaçada. Foi quando, em uma outra convenção do partido, fui perguntada por uns rapazes que estavam na rua sobre o que estava acontecendo. Quando disse que era uma convenção do partido, eles perguntaram se poderíamos arrumar camisas para o time de futebol que estavam organizando. Fiquei uns bons minutos explicando que isso não era correto, que eles deveriam aderir ao partido por ideologia, que eles precisavam somar na luta que os libertaria, etc… voltei orgulhosa para contar aos camaradas meu grande feito, ao que um deles respondeu “até que podemos arrumar as camisas, ora! Serão votos!”. Balde de água fria! Saí imediatamente e voltei desolada para casa. Acabava ali meu sonho revolucionário. E me lembrei dos mortos nos Gulags, nos fuzilados no Paredón, dos perseguidos pelos camaradas, dos intelectuais mortos pelo “Grande Timoneiro”, do Partidão… o que essas pessoas diziam, por que lutaram e morreram para evitar “A Revolução”?

E soube que aquela revolução era o tiro de misericórdia na liberdade tênue que temos, no direito de lermos, de trabalharmos, enriquecermos, vivermos de forma simples ou mediana. Nosso direito de criticar o que nos incomoda, sugerir mudanças, escrever em blogs e navegar pela internet. Nosso direito de não ter como governantes pessoas que nos matam por desejarmos qualquer coisa que eles consideram “antirrevolucionária”. O direito de não dividir a miséria e sim, de caminhar rumo a uma sociedade que preza pelo conhecimento plural e livre, que se regula por leis que garantem a propriedade privada, a isonomia de direitos, a livre manifestação de pensamento, o direito de defesa e de acusação, por que não? O debate, a réplica e tréplica. As artes, boa comida, universidades e até futilidades. O campo, as cidades e praias, a liberdade de escolher nossa morada, de vendê-la e comprá-la.

E vi que o herói não está na camisa! Eram muitos os heróis, e seus corpos sucumbiram diante das metralhadoras, do gelo siberiano, da ignorância e propaganda “revolucionária”. Mas eles prevaleceram, venceram, e a prova disso é que escrevo essas linhas hoje.

A todos os heróis anônimos que partiram, aos que ainda vivem nas sombras da indiferença e falta de agradecimento, à todos os heróis que venceram e cujo fruto dos sacrifícios saboreamos hoje, deixo aqui minha singela homenagem:

A LIBERDADE NUA

O século XX experimentou uma verdadeira revolução nos hábitos sexuais de grande parte do mundo Ocidental. A pílula anticoncepcional diminuiu drasticamente as possibilidades de uma gravidez indesejada, o amor livre da década de 60 colocou na berlinda muitos dogmas acerca da sexualidade e promoveu uma verdadeira liberalidade de costumes relativos ao corpo e ao prazer. Os movimentos feministas conquistaram muitos direitos para as mulheres, inclusive direitos íntimos, ou nem tanto. Divórcio, bebês de proveta, aborto legalizado em alguns países, revistas de conteúdo erótico explícito ou não, cinema, televisão, novelas, jornais, gibis, aulas de educação sexual, nunca antes o sexo esteve tão exposto, nunca foi tão debatido e sua prática tão estimulada. Transe com muitos parceiros e fale sobre isso na internet ou em algum programa de TV moderninho, sexo é cool, faça. É o retorno da confissão pública sem o ônus da penitência… será?

Passado um pouca da euforia do vale e tudo e seja livre e feliz veio a cobrança. Disseminação de doenças sexualmente trasmissíveis tornaram-se cada vez mais comuns nos noticiários, até aparecer com toda a força o HIV, ceifador de vidas anônimas e célebres, virou o protagonista. A juventude de meados da década de 80 e início da 90 viu seus ídolos serem levados um a um. Cazuza, Renato Russo, Rock Hudson, Gia Carangi, os heróis não morriam mais tanto de overdose e sim de uma vírus misterioso que arrasava o sistema imunológico.

Vamos dar uma pausa? Vamos repensar esse lance de liberdade sexual? “Não! Façam sexo, mas com camisinha, assim pararemos o avanço da epidemia mortal”. A epidemia, todavia, está firme e forte levando pessoas insuspeitas. Não só gays promíscuos, mas donas de casa exemplares, atualmente o grupo da população brasileira que mais cresce nas estatísticas sobre o avanço do HIV.[i] Não acreditem do Dourado, nem tudo o que queremos ouvir é o mais sensato.

O que deu errado, afinal? Porque o “Plano Camisinha” não está dando tão certo? Especialistas discutem a miséria da pós-modernidade e a acusam pelo mal do século passado e o atual. “A culpa é do Papa que disse para não usar camisinha”, dizem uns… ora, como se todos guiassem suas vidas pelas recomendações papais! A culpa não é da Igreja, nem de seu Sumo Pontífice, tampouco da ira divina. O atual Papa, Bento XVI, inclusive foi malhado depois de sua última visita à África quando colocou em dúvida a eficiência dos programas de distribuição de camisinhas no combate ao HIV. Sou longe de ser fã do Bento XVI, mas a notícia que veicularam estava, como sempre, incompleta. O Papa disse que a redução drástica no número de parceiros era a forma mais segura, barata e eficaz no combate à epidemia de HIV que é muito alarmante nos países africanos. Estava o papa errado? E tomo essa pergunta emprestada do pesquisador Senior em saúde pública e notório especialista em combate ao HIV, Dr Edward C. Green.

O Dr Green,[ii] que fala sem o peso da fé e com a autoridade de um cientista, defendeu Bento XVI ao afirmar que políticas de educação referentes ao comportamento sexual, com estímulo à manutenção de parceiros fixos, foram muito mais felizes na África do que a distribuição de camisinhas. Segundo Green:

A raíz do problema é que as pessoas não usam camisinhas de forma consistente, não importa o quanto elas forem promovidas. Um pouco de uso de camisinha deve ser como um pouco de uso de antibióticos – não ajuda em última análise.[iii]

Em Uganda, o governo adotou a estratégia da promoção da abstinência e da fidelidade e os resultados foram animadores. Uganda atingiu uma redução do número de infectados singular frente as estatísticas de outras nações africanas.[iv] O país, palco de tantos massacres, foi capaz de enfrentar muito bem um dos maiores males que doutores de ricos países desenvolvidos ainda quebram a cabeça para apresentar uma solução real. E o fizeram indo na direção contrária aos adorados valores da “liberdade” promovidos pelos mudérnos do Ocidente. Já não é hora de refletirmos também sobre essa idéia de liberdade e felicidade intimamente ligadas ao número de parceiros sexuais? Já não é hora de pararmos de cultuar o sexo livre e indiscriminado como um dos melhores valores do século passado? O preço já não está alto demais? Vamos pensar sobre a possibilidade de vestir a liberdade?


[i] AIA, Christiane; GUILHEM, Dirce  and  FREITAS, Daniel. Vulnerabilidade ao HIV/Aids de pessoas heterossexuais casadas ou em união estável. Rev. Saúde Pública [online]. 2008, vol.42, n.2, pp. 242-248.  Epub Feb 29, 2008. ISSN 0034-8910.  doi: 10.1590/S0034-89102008005000004.

[ii] Sobre Edward Green: http://www.harvardaidsprp.org/faculty-staff/edward-c-green-bio.html

[iii] GREEN, Edward C. & HEARST, Norman. Was de Pope wrong? The Lancet, v.373, issue 9675, p.1603. Maio de 2009. Disponível em: http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(09)60902-8/fulltext?_eventId=login

[iv] Veja a notícia aqui: http://tinyurl.com/25dmwjj