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Cuidado com o processo: Macacos me mordam!

Popularizou-se uma visão errada do conhecimento produzido a partir da Teoria da Evolução de Darwin e Wallace segundo a qual a evolução segue um rumo definido que redundará no surgimento de seres mais inteligentes. Pelo o que sei de biologia, evolução não necessariamente tem a ver com mais inteligência. Mas há erros tão repetidos, tão divulgados, que tentar corrigi-los é uma tarefa digna de Hércules.

E nessa cadeia de equívocos criaram uma hierarquia maluca dos seres vivos. Nós, humanos, detentores de uma inteligência significativa estamos no topo, já os macacos, nossos primos pobres, são como humanos que deram errado. E surgiu o xingamento máximo que pode levar qualquer desavisado para a cadeia sem direito à fiança: “Macaco”.

Chegou a tal ponto que tenho medo de chamar um chimpanzé de macaco. Mentira, exagero. Mas não escondo meu receio diante do surgimento de verdadeiros vigilantes atentos a todas as palavrinhas que escrevemos na internet, falamos em público ou soltamos num momento de raiva. Essas pessoas se acham aptas a patrulhar, julgar e condenar na velocidade de um raio sem ao menos cogitar a real possibilidade dos danos que uma acusação de “racismo” pode gerar na vida de uma pessoa, ou qualquer outro tipo de acusação.

Conto isso a partir de um caso real que presencie no Facebook, a mais nova praça pública da sociedade brasileira. Um rapaz se referiu a uma jovem negra como “macaca”. Falando assim realmente podemos concluir que ele é um baita de um racista. Uma dessas guardinhas da rede acima do bem e do mal e protetora dos pobres e oprimidos – e se a informação interessar, bem branquinha – acusou o cara de racista e espalhou o print do ocorrido para toda a sua rede de amigos. Muitos deles, sem se indignar a apurar melhor o ocorrido, espalharam a mensagem da Guardinha 1 (vou chama-la assim), e o que era um comentário feito ingenuamente em um mural restrito à amigos se transformou em uma mobilização contra o mais novo “racista” do pedaço. O fato é que a patrulheira convenientemente ignorou a explicação do rapaz e dos amigos do rapaz que se mobilizaram também para defendê-lo: ele chama TODO MUNDO de “macaca”, é a forma como ele se refere aos amigos, sejam eles homens, mulheres, negros, brancos, amarelos e o que mais vier à mente na nova classificação da espécie humana que não pára de crescer.

Mas a Guardinha 1 e seus coleguinhas ignoraram veementemente a explicação. Bastou ver numa mesma frase “negra” e “macaca” para, ensandecidos, acusarem o moço de um crime grave, inafiançável e imprescritível segundo nossa legislação. Tive pena do moço, e também de nós, que temos um pé nas árvores e não deixamos de ser macacos: pelados, cabeçudos e espertos… quer dizer, supostamente espertos.

Trago uma famosa citação de Martin Niemöller que não tem muitos paralelos, ainda, com o que anda acontecendo. Ainda, e ênfase no “AINDA”, não há uma perseguição sistemática operada com os aparelhos do Estado no nosso país. Mas algumas pessoas usam mecanismos estatais que se proliferam para empreender uma verdadeira patrulha ideológica no Brasil.

Leia atentamente as palavras de Niemöller. A história é uma ópera bufa atolada de fanfarrões e com raros heróis. Quais serão os próximos mártires?

Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse” (M. Niemöller)

 

“Quis custodiet ipsos custodes?”

O TERRITÓRIO LIVRE DO HUMOR?

Recentemente uma série de polêmicas surgiu por causa de certas “piadas”.  E não falo só sobre aqueles desgastes oriundos dos comentários infelizes daqueles “humoristas” de um programa sensacionalistas e vulgar travestido de modernidades.

Créditos da Imagem: Mashpedia

O cantor mais bonito da cidade

Não é incomum quando pessoas públicas tentam remediar as besteirinhas que falam mediante o argumento “era só brincadeirinha”. O cantor gemedor Ed Motta há pouco justificou seus comentários sobre a beleza – ou falta de beleza – de alguns compatriotas justamente com essa desculpa, ele estava só brincando com os amigos quando disse que a maior parte da população brasileira – aquela mestiça desprovida de traços caucasianos – era feia.

            Não é difícil compreender o apelo a essa desculpa. Ora, criou-se um mito de que o humor é um território livre, você pode dizer absolutamente qualquer pasmaceira em forma de piada. Não se pode falar que o estupro é moralmente aceitável na maior parte das circunstâncias, óbvio, esse ato abominável e covarde causa no mínimo repulsa. Mas coloque um tom jocoso em alguma fala que insinue isso e ganhe a impunidade da piada. Há algo muito errado nisso…

            Não me surpreende que haja gente que realmente acredite nisso, me surpreende menos ainda constatar que essas pessoas dificilmente fazem parte do público alvo das brincadeirinhas. Essa gente raramente é mulher, negra(o), pobre. Duvido que aquele moço do CQC tenha sido alguma vez na vida estuprado, duvido que tenha sido expulso de um lugar porque estava amamentando seu bebê, duvido que seja órfão. É fácil fazer piada sobre algo que dificilmente se vai sentir na própria pele.

            Ele e muitos outros recorrem ao direito à liberdade de expressão para deslegitimar as críticas que recebem, pois bem, deveriam ler melhor nossa Constituição para perceberem que a liberdade de expressão tem limites, e o limite mais evidente é a dignidade daqueles que são alvos preferenciais do que chamam de “humor”. Parafraseando aquele velho ditado, se quiser falar o que quer, esteja preparado para responder pelo o que não quer.

            Se fazer piada está no âmbito do direito à liberdade de expressão, então fazer piada também está regulamentado dentro dos próprios limites da liberdade de expressão. Ora, vivemos numa sociedade onde se fala muito de direito, mas esquece-se sempre e oportunamente dos deveres e responsabilidades.

            Todo mundo que fala algo publicamente, caso ofenda alguém, está sujeito a um processo. Isso inclui, deve incluir, quando essa fala pública vem na forma de piadas. Não se trata de ser politicamente correto – e sinceramente não tenho nada contra o politicamente correto se ele significar respeito e responsabilidade – se trata de dizer que todos são responsáveis por seus atos e falas e devem responder por isso. O nome disso é dever, e sinceramente acredito que devemos parar de falar só de direitos, como se fosse um valor por si, e insistirmos nesse mantra: não há direito sem dever.

POLITIZANDO CORRETAMENTE OS PALAVRÕES

 

Ziraldo

Estava a ouvir serelepe a “Paixão Segundo São Mateus” do querido J.S. Bach. Enquanto viajava no mais profícuo ócio googlei a obra e deparei-me, não sem uma exclamação de surpresa, com a notícia de que o bom Bach foi acusado de anti-semitismo por causa de sua Paixão. Essa notícia árida trouxe à memória capenga de vossa querida autora a história da censura do livro de Monteiro Lobato, “Caçadas de Pedrinho”, considerada – pasmem – racista. É notável a cegueira dos defensores da moral e dos bons costumes frente a algo tão necessário quanto o oxigênio: capacidade de contextualização.

Fico a matutar sobre o cúmulo da politização afirmativa, que essa gente que chama Bach de anti-semita e Monteiro Lobato de racista argumenta ser tão crucial para uma sociedade “justa e igualitária”. Pensem, intrépidos leitores, sobre a politização correta dos palavrões! Façamos esse exercício! Já que não parece mais absurdo a proposição de uma lei que nos obrigue a assim falar depois de uma bela topada ou uma decepcionante partida de futebol.

Vamos já começar a treinar para xingarmos de forma politicamente correta:

“Prostituta que deu à luz!”

“esperma!”

“necessidades fisiológicas!”

“filho da prostituta!”

“pênis!”

“substâncias ilícitas!”

“iníquo!”

“vá fazer sexo contigo mesmo!”

Lamentavelmente teremos que ignorar esses bons conselhos.

E vou indo para continuar a ouvir Bach e ler Monteiro Lobato antes de ascenderem as fogueiras.