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Quem tem medo das feministas?

Não há coluna do “comentador” da Folha de S. Paulo, o senhor Luiz Felipe Pondé, onde não apareça uma provocação às feministas, segundo ele, mulheres amargas e mal amadas. Nada de novo, essa opinião é quase tão velha quanto o Homo sapiens: mulheres indóceis, segundo eles, precisam de “pênisterapia” – tédio. O másculo e viril Pondé é, contudo, um obcecado. Não cansa de afirmar sua heterossexualidade, seu pênis infalível e sua frustração com as mulheres que não superestimam o seu falo: o pequeno deus que deve ser agradado pelas fêmeas da espécie. Eu lia a coluna do senhor Pondé, pois, ao contrários dos leitores medianos, não leio apenas textos que confirmem as verdades do meu mundinho e não tenho medo de me indignar. Parei de ler apenas porque é realmente sonolento saber dos complexos de baixa-estima dos outros. Pondé é só mais um macho ferido querendo chamar a atenção com máximas superficiais, pensamentos circulares e um público de boçais satisfeitos por saber da existência de um PhD que repete o que desejam ouvir. Típico de colunistas da Folha de S. Paulo e dos leitores desses colunistas.

Pondé e seus congêneres – com ou sem PhD – são apenas e tão-somente homens (as vezes mulheres) que se sentem desconfortáveis com a erosão de suas zonas estáveis: onde cada qual tem seu lugar determinado pela natureza de seus corpos. Não, não! Eu também fico entediada com revolucionários… a dinâmica da sociedade humana é irreversível e independe de gente com boina e cachimbo. Mudanças sempre acontecerão, para o bem de uns e para o mal de outros e entendo perfeitamente a preocupação dos afetados em preservar seu habitat. Mas é irritante quando isso é feito com cinismo, distorções e desonestidade. É por isso que digo: o que essa gente fala do feminismo é um absurdo logo nos seus princípios: não existe O Feminismo, mas diversas correntes feministas.

Há feministas liberais que defendem a liberdade absoluta das mulheres, e isso inclui o direito de escolherem sair na Playboy ou virar dona de casa. Há feministas que acham que mulheres não devem se relacionar com homens pois esse tipo de relação sempre cria uma situação de dominante e dominada. Há feministas que acham um absurdo a instituição familiar. Há feministas casadas e felizes com seus maridos. Há feministas que defendem o aborto, assim como há aquelas que não defendem. Há feministas que querem destruir a indústria pornô e há feministas que fazem filme pornô. Há, pasmem, homens feministas!

Meu conselho? Sempre que vocês lerem “as feministas” já liguem o desconfiômetro! Perguntem: qual tipo de feminista, cara pálida? As de Marte ou de Vênus…hehehe

Se existe algo que identifico em comum nas diversas correntes feministas é justamente aquilo que foi perfeitamente sintetizado na frase: “feminismo é a idéia radical de que mulheres são seres humanos”. Mulheres, escutem: se hoje vocês podem votar, se podem estudar numa universidade, se podem trabalhar, se podem sair às ruas de cabeça erguida, se podem virar presidente da república, se podem pedir o divórcio, casar com quem desejam, se podem ser quem são, desejar, sonhar, planejar, isso é graças às mulheres que lutaram e lutam pelos nossos direitos! Graças as várias feministas. E isso, essa nossa conquista, essas nossas CONQUISTAS, são intragáveis para pessoas que de tão medíocres precisam desesperadamente atacar os outros para desfrutarem de uma ilusão de superioridade.

 

Isso é coisa de menina

“Isso não é coisa de menina”. Ouvi essa frase por incontáveis vezes na minha infância, depois passou para “você já é uma mocinha, não faça isso” e mais para a frente “você é uma mulher, por que não usa um salto alto?”. Desde pequena meu caráter humano foi moldado a partir dos parâmetros reservados ao gênero feminino, isso significa que eu deveria ser obediente, delicada, submissa, fazer do meu corpo um atrativo e do meu cérebro um apêndice incômodo. Obviamente que as qualidades da liderança não estavam incluídas nesse menu. Quantas mães e pais olharam para suas meninas e pensaram que elas dariam uma ótima presidenta da República e quantos pensaram que elas dariam uma ótima dona de casa?

É por essas e outras que tardei a constatar as possibilidades da eleição de uma mulher para o mais alto posto do nosso país, mas confesso que desde pequena – revoltada que sempre fui – sonhei com essa utopia. Vi e senti na pele todo o peso da condição feminina, testemunhei uma candidata ao senado pelo Rio de Janeiro sofrer os mais abomináveis ataques por ter defendido em público o direito básico das mulheres de terem autonomia sobre seus corpos, vi essa candidata ser derrotada na reta final por um canalha que representa o que há de mais podre e antiquado na política brasileira, afinal, para as mentes retrógradas de nossa nação mais vale um homem ladrão do que uma feminista. Li nos livros de história as obras dos grandes homens e me deparei com o silêncio sobre as grandes mulheres. Percebi que passou quase despercebido pelo mainstream o fato de que a emancipação feminina – esse fenômeno tão recente – teve um avanço fabuloso em menos de um século de história (e como historiadora sei o quanto um século é pouco). Ouvi os mais sujos e baixos argumentos contra minha “raça”, tentaram me ensinar que meu lugar é o fogão, que minha vocação natural é a maternidade e que meu destino é lavar cuecas do marido. Sei o quanto toda essa situação é tão “naturalizada” que muitas de minhas iguais concordam com ela. E não há semana que passe sem que eu ouça “tinha que ser mulher”.

“Tinha que ser mulher”, sim tinha! Tinha que ser uma mulher a chegar à presidência da república, tem que ser uma mulher a assumir qualquer cargo da administração pública ou de empresas privadas. Temos que ser nós a desbravar o caminho pela conquista de nossos plenos direitos e liberdades. A caminhada começou no final do século XIX quando algumas “histéricas” lutaram para que tivéssemos direito ao voto, a caminhada segue, afinal, como dizem por ai: “Feminism is the radical notion that women are people” (Feminismo é a noção radical de que mulheres são pessoas).

E escrevo tudo isso para dizer, por fim, que apesar de ser extremamente crítica ao PT, não posso deixar de vibrar ao saber que nosso país será governado por uma mulher nos próximos quatro anos!

 

O ABORTO DE TODAS

"Crucified woman" por Eric Drooker

Recentemente foram divulgados os dados obtidos na primeira pesquisa nacional domiciliar sobre o aborto. Os resultados só confirmam o óbvio: precisamos começar a discutir o tema seriamente, trabalhar com dados e não com opiniões pessoais, colocar a mulher nessa equação e reconhecer que, a despeito da criminalização, as mulheres abortam e muito no Brasil.

A pesquisa indicou que um em cada 7 mulheres já abortou no Brasil, elas estão na faixa etária entre os 18 e 39 anos, são provenientes de todas as classes econômicas e sociais. 28% delas são católicas ou evangélicas, 14% possui curso superior. São mulheres comuns, com seus trabalhos, sonhos, planos e um denominador comum: todas são consideradas criminosas aos olhos da lei brasileira, que só permite o aborto em duas circunstâncias: estupro ou gravidez que represente risco para a vida da mulher.

O resultado mais marcante da pesquisa é a estimativa do número de brasileiras que já fizeram aborto, cinco milhões. Mais da metade delas precisou recorrer a atendimento médico devido a complicações após o procedimento, muitas vezes feito em casa com o uso de medicamentos como o Cytotec, cujo registro foi suspenso pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), mas é facilmente encontrado nas mãos de vendedores ambulantes em lugares como a Uruguaiana, no Rio de Janeiro. As complicações de um aborto mal sucedido vão de hemorragia à infecção generalizada, passando pelo comprometimento dos órgãos reprodutores que podem redundar em infertilidade. Conforme a ONG holandesa Women on Waves, a cada 8 minutos uma mulher morre vitimada por complicações após o aborto, esses casos, é claro, são resultados de procedimentos rudimentares, realizados pelas próprias mulheres ou por clínicas de aborto ilegais, sem quaisquer condições de oferecer atendimento seguro para essas mulheres.  

A situação no Brasil se complica ainda mais se considerarmos que uma mulher pode ser presa caso procure atendimento em hospitais após um aborto, como se isso não bastasse, ainda são humilhadas e maltratadas por muitos profissionais da saúde. Resultado, as mulheres que abortam protelam a ida aos hospitais e quando decidem procurar atendimento já estão em condições físicas bastante debilitadas, isso quando vão aos hospitais, muitas acabam morrendo antes mesmo de receber cuidados médicos.   

Ou seja, cinco milhões de brasileiras já tiveram suas vidas em risco por causa do aborto realizado em condições inseguras. Todas as brasileiras que eventualmente necessitem interromper uma gestação indesejada estão em risco, todas as mulheres brasileiras estão em risco. Isso porque quando se pensa em aborto sempre o que está em questão é a “vida” em potencial de um embrião, nunca a vida que já é, que já existe, a vida das mulheres. O direito, o nosso direito, de levarmos até o fim uma gravidez indesejada, o nosso direito de decidirmos sobre nossos corpos, sobre nossas vidas.

A legislação brasileira prevê que a interrupção das atividades cerebrais, ou a redução irreversível dessas atividades, significa morte cerebral e possibilita a retiradas dos órgãos para doação. Ora, então porque, afinal, um aglomerado de células sem resquício de ao menos tronco cerebral, sem consciência, vale mais do que a vida de uma mulher? Quando falo de aborto, quando defendo o aborto, me refiro a estágios iniciais da gestação, me refiro a esse período em que o aglomerado de células que futuramente podem gerar um feto não possui qualquer estrutura que pode caracterizar a existência de consciência. Entre uma vida em potencial e uma vida que já existe, eu sempre defenderei a segunda! E é essa vida, esses milhões de vida, que estão em risco. A criminalização do aborto é a criminalização de TODAS as mulheres desse país. A criminalização do aborto significa nos jogar, todas, no submundo das clínicas ilegais, dos camelôs vendedores de Cytotec. A criminalização do aborto ameaça nossas vidas, nossos direitos, nossa autonomia. Ser favorável ao aborto não é ser pró-escolha e contra a vida, como defendem certos engravatados – sem útero, diga-se de passagem – ser favorável ao aborto é ser a favor da vida de todas as mulheres.